Seus olhos
têm brilho. Refletem a sua alma em luz. Sim... A lebre... (suspiro)
O vi vindo
do monte mais alto. Do monte mais alto vindo o vi. Aquele a quem lamento a existência...
O gavião.
Veio por sobre
as nuvens e na altura do arco-íres ele voou.
Seu esplendor
e sua beleza a seduz. Seduz a lebre com seu ar de ordem e moral, e desta toca não
o deixo de notar. Ele, o gavião.
Cheio de
heroísmo e convencimento, de razão e de conselhos. Ele parece correto. Parece
correto o gavião.
Ele pousa
ao seu lado e a lebre lhe sorri. Ele olha penetrante mas as formas ele vê, pois
nunca disse ver a alma em seus olhos. Tem boa visão para tudo o que há de fora
e tudo o que há de fora ele vê, mas não vê o que há no escuro, o imanente, o
escondido. Só alguém na floresta parece ver o interior e os segredos e procurá-los
até na dor, aquele que vê no escuro e do escuro: eu, o mocho.
O gavião a
ilude, pois se ilude também o gavião. Pede para que ela olhe para cima e veja
as nuvens. Imagina cenas das nuvens o gavião e pede para a lebre o acompanhar
em seus sonhos. Olha para as nuvens e vê a beleza de tudo o que é celeste. Mal
sabe que o seu celeste é ilusão e que logo se desfazem suas cenas.
-Te
defenderei até o fim- diz ela, mas quê é uma lebre para defender um rapinante?
Ela poderia ser uma presa e nem se toca disso. Ambos somos caçadores: eu, o
mocho e ele, o gavião.
Em algo insiste,
insiste em algo o gavião, pois aquele olhar sonhador e para cima esconde algo. Algo
terrível para mim. Ele insiste em levá-la para as nuvens. Assim insiste o
gavião.
É admissível
alguém que não voa não conhecer as nuvens do céu. É fumaça, vapor, ilusões para
quem vê imagens. Mas eu sei o que ele quer! Quer prendê-la em sua toca ou ao
menos levá-la para longe da floresta!
A noite está
chegando e sem seu sol ele pouco vê, pois só aparece no claro e para todos. Despede-se
e vai... O gavião.
Ah... A
noite...
É tão bela
e a lebre se esconde e não a vê. Se pudesse de dia não faria como o gavião que
quer subir com ela para ver nuvens e as ilusões do outro lado, mas subiria para
de cima ver a terra e tudo o que há. Tudo o que é belo de dia o é também à
noite, mas o que muda são os olhos de quem vê.
Mas eu não
sou igual ao gavião!
Eu, o mocho,
tenho raiva, tenho amor, sinceridade e não escondo o que há em mim, quando
posso mostrar. Mas não querem ver o mocho, pois o mocho desilude, olha a noite
como o dia. Por hoje estava na toca, mas a noite eu devo me mostrar e uma vez
de dia também de sair para alcançar a desilusão.
Ele, o
gavião, são os valores, o ego, a honra, a cultura... a regra.
Ela, a
lebre, a felicidade, a inocência, a mulher e a criança, a ultima peça, a ultima
vontade.
E eu, o
mocho.
Ficou bem claro que o gavião é a moral e os costumes xD Não consegui identificar a lebre (sua visão da mulher parece um pouco romântica xD). O mais interessante é que a floresta é interior, mas você considera-se apenas uma parte dela, que seria a razão?
ResponderExcluirOutra forma de ver é que na verdade você pode ser a floresta inteira, e está como observador de si mesmo, mas você se considera apenas como aquele que olha para si. Eu ando estudando psicanálise e se formos pensar no ser humano através desse viés teórico vamos pensar que temos partes da nossa própria vida psíquica que nem nós conhecemos, a psicanálise chama isso de inconsciente.
Freud afirma que houveram 3 grandes feridas narcísicas na humanidade, a 1ª é com Copernico que estipula o heliocentrismo, a terra deixa de ser o centro do universo, a segunda vem com Darwin, quando coloca o homem na mesma continuidade que os animais. A terceira vem com o próprio Freud, porque o homem iluminista se via inteiramente como razão, mas o inconsciente está para além disso.
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ResponderExcluirExcelente crônica, meu amigo!
ResponderExcluirLembrou bastante a prosa literária dos ultrarromânticos, em especial os lamentos de Álvares de Azevedo e Goethe.
Sinto muito de você também nessas linhas (como não?), e, assim como Dan, eu me intriguei com o fato de que a floresta inteira está em você: seria a lebre, então, uma ilusão, um ideal? Se ela é real, é interpretada pelas lentes do mocho. Daí a gente se aproxima ainda mais do ultrarromantismo e da distorção da imagem da coisa amada como irrealizável.
No final, pra mim, ficam duas perguntas. Onde termina o mocho e onde começa o mundo? E quem foi que disse que um mocho não pode enfrentar um gavião?
Abraço pra tu!